Nota Técnica produzida pela ATI - Cáritas contribuiu na fundamentação da Ação Civil Pública que visa o reconhecimento da responsabilidade das empresas mineradoras e Fundação Renova pelos danos ocasionados às mulheres atingidas
As Instituições de Justiça – Ministérios Públicos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo, além das Defensorias Públicas da União e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo – entraram com uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Fundação Renova e as empresas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, na 4ª Vara Federal de Belo Horizonte. A ação, ajuizada no dia 21 de junho, visa responsabiliza-las pelos danos causados às mulheres atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.
As IJs pedem que as empresas e a Renova paguem, de forma solidária, indenizações mínimas de R$ 135.552,00 para cada mulher atingida pelos danos materiais, mais R$ 36 mil, no mínimo, pelos danos morais sofridos. Também solicitam uma indenização de R$ 3,6 bilhões pelos danos morais coletivos.
O documento argumenta que, durante o processo de reparação, as mulheres foram invisibilizadas e prejudicadas, de acordo com a perspectiva de combate à violência de gênero do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A fundamentação da ação é baseada em diversos marcos legais e internacionais que garantem a proteção contra a discriminação, na Política Nacional de Populações Atingidas por Barragens, que reconhece legalmente os direitos das mulheres atingidas e na Nota Técnica “Análise dos danos sofridos pelas mulheres atingidas em razão do rompimento da barragem de Fundão nos oito anos de espera pela reparação integral: desafios e recomendações” produzida pela Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares (ATI CDGV), entre outros documentos que fundamentaram a ACP.
No “Relatório Preliminar sobre a Situação da Mulher Atingida pelo Desastre do rio Doce no Estado do Espírito Santo”, elaborado pela Defensoria Pública do Espírito Santo, revela a falta de integração entre as iniciativas de reparação e as políticas públicas de atendimento à mulher, bem como a exclusão das mulheres em diversas etapas do processo reparatório.
Segundo o relatório, dados da Fundação Renova mostram que apenas 39% das entrevistadas para o cadastro de reparação eram mulheres e apenas 34% eram responsáveis economicamente pela casa. O dado chama a atenção para um modelo de família patriarcal adotado pela Fundação Renova, que dificultou, como consequência, o acesso das mulheres aos seus dados e a correções de informações. “É importante lembrar que o citado cadastro representa a porta de entrada da Fundação Renova para os outros 41 (quarenta e um) programas de reparação ambiental e socioeconômica. Assim, a ausência de participação das mulheres na coleta de dados na base da reparação trouxe efeitos danosos de caráter excludente e invisibilizador da realidade das mulheres antes e depois do desastre”, destaca a ACP.
A Ação Civil Pública chamou a atenção ainda para a violação sistemática dos direitos humanos, com enfoque especial nas mulheres atingidas. Entre os pontos abordados, estão:
Invisibilidade dos Ofícios: Muitas mulheres tiveram suas atividades econômicas e sociais ignoradas durante os processos de cadastramento e compensação.
Dependência e Cadastro: As mulheres foram frequentemente registradas como dependentes em cadastros familiares, o que agravou suas vulnerabilidades.
Violência de Gênero: O aumento da violência doméstica e de gênero no contexto pós-desastre é um dos aspectos críticos abordados.
Danos à Saúde: O tratamento discriminatório e a sobrecarga de atividades resultaram em danos significativos à saúde física e mental das mulheres.
As IJs destacaram a necessidade de interseccionalidades, especialmente para mulheres negras, indígenas e de comunidades tradicionais. Em caráter liminar, requerem às empresas e a Fundação Renova:
Atualização e correção imediata do cadastro das mulheres atingidas para acesso a programas de indenização.
Apresentação em juízo das manifestações na Ouvidoria da Fundação Renova.
Garantia de acesso imediato das mulheres cadastradas na Fase 01, prioritariamente, a auxílios e programas de indenização.
Pagamento integral e retroativo das verbas devidas às mulheres.
Disponibilização de canais de atendimento adequados para as mulheres atingidas.
Busca ativa para localizar e cadastrar todas as mulheres ainda não indenizadas.
Proibição de comportamentos discriminatórios contra as mulheres.
Encerramento da discriminação entre titulares e dependentes no cadastro.
Apresentação do número atual de mulheres cadastradas, indenizadas e não indenizadas.
Diante dos argumentos apresentados à Justiça e pedido de condenação das empresas mineradoras e Fundação Renova, o valor estimado da ação é de R$ 10 bilhões, que compreende:
Indenização mínima de R$ 135.552,00 para cada mulher afetada por danos materiais.
Indenização mínima de R$ 36.000,00 por danos morais individuais.
Indenização de R$ 3,6 bilhões por danos morais coletivos, com 15% destinados à saúde das mulheres no SUS.
Indenização de R$ 3,6 bilhões por danos sociais, com 15% destinados à saúde das mulheres no SUS.
Implementação de ações afirmativas de gênero nos programas de reparação.
O juiz responsável analisará ação, com pedido de tutela de urgência. Essa é uma medida provisória solicitada pelas Instituições de Justiça para que sejam adotadas ações imediatas a fim de proteger os direitos das mulheres atingidas, antes do julgamento final da ação. O juiz pode conceder ou negar essa tutela com base nos argumentos e evidências apresentados.
Nota Técnica produzida pela ATI contribuiu para fundamentar decisão
A ATI CDGV enviou às Instituições de Justiça, no dia 13 de maio de 2024, a Nota Técnica nº 02/2024, que faz uma análise dos danos sofridos pelas mulheres atingidas em razão do rompimento, com foco nos desafios a serem enfrentados e recomendações.
O documento foi elaborado a partir de informações do Registro Familiar que vem sendo aplicado no Território 4 (Governador Valadares e Alpercata) pela assessoria técnica independente, relatório “O Rompimento da Barragem de Fundão na Perspectiva das Mulheres Atingidas: Uma Análise de Gênero” da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e relatos das mulheres nos espaços participativos promovidos pela ATI CDGV.
A Nota Técnica chama a atenção para o fato de que os prejuízos vivenciados pelas mulheres no âmbito do rompimento, descritos ao longo do documento, não foram reparados e novos danos sucederam em decorrência de um modelo reparatório que reproduz perspectivas machistas e patriarcais da sociedade.
Nesse sentido, o documento faz uma série de recomendações de medidas reparatórias de danos sofridos pelas mulheres, tais como acesso à informação escuta especializada, reconhecimento de suas atividades produtivas (com atenção para a cadeia de pesca, agricultura familiar, comércio e prestação de serviço), atenção à saúde física e mental, acesso aos programas de indenização, revisão de cadastro, entre outras medidas.
ATI e mulheres atingidas
Além da Nota Técnica, a ATI CDGV também esteve engajada em duas rodas de conversa voltadas para ouvir as mulheres atingidas e registrar suas demandas. A primeira ocorreu no dia 16 de março de 2024, no bairro Recanto dos Sonhos, com o tema “O mês de março e a luta da mulher atingida”.
A segunda ocorreu no dia 26 de abril de 2024, no bairro Vila Isa. Os espaços participativos, voltados para o público feminino e chamados de “Encontro com as Mulheres Atingidas”, tem como objetivo direcionar um olhar à mulher atingida em sua totalidade, identificando as suas particularidades e individualidades. Também busca verificar como se dá à participação das mulheres no processo reparatório, além abordar os diversos aspectos de violação de direitos que sofrem no âmbito da reparação: gênero, racismo ambiental, trabalho, saúde, família, meio ambiente, entre outros tópicos.
Para isso, em ambos os espaços que foram promovidos, a Assessoria Técnica Independente criou um espaço seguro e acolhedor para que as mulheres pudessem compartilhar suas experiências, refletir sobre suas vivências e fortalecer sua participação no processo de reparação. Tudo isso com a utilização elementos simbólicos e artísticos adotados como recursos metodológicos, que facilitaram a expressão e a conexão emocional com os temas debatidos.
Confira abaixo as fotos da roda de conversa no Vila Isa:
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