TRF6 apresenta relatório de monitoramento dos 6 meses de implementação do Acordo de Repactuação
- Salmom Lucas Monteiro Costa
- há 5 dias
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Documento apresenta ações desenvolvidas ao longo do período pela União, Estados de Minas Gerais e Espírito Santos e Instituições de Justiça
O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) divulgou, neste mês de junho, o primeiro Relatório Semestral de Monitoramento do Acordo de Repactuação do Rio Doce. O documento avalia o período de dezembro de 2024 a maio de 2025 e reúne informações sobre o cumprimento das obrigações pactuadas pelas empresas responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão, pela União, pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santos e pelas Instituições de Justiça (IJs).

A publicação chegou a ser entregue em mãos ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante audiência em Mariana (MG). O relatório atende à delegação do STF, que atribuiu à Coordenação de Demandas Estruturais e Cooperação Judiciária (CODES) do TRF6 o monitoramento da execução do acordo, com o compromisso de garantir eficiência, transparência e controle social do processo reparatório. O documento tem como objetivo informar a suprema corte, a sociedade e, principalmente, as comunidades atingidas, sobre os avanços, entraves e as medidas adotadas até o presente momento, para resolver os principais entraves.
A Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares estudou o documento e apresenta, de forma acessível, os principais pontos às pessoas atingidas. Esclarecemos que o conteúdo da matéria não representa a avaliação técnica da entidade, que acompanha de perto a realidade das comunidades atingidas e tem, como compromisso, garantir o acesso à informação qualificada e promover a participação informada das pessoas atingidas no processo de reparação.
Pagamentos das indenizações e prorrogação do PID
Uma das principais frentes destacadas no relatório é a atuação da Coordenadoria Regional de Soluções Adequadas e Controvérsias (COJUS), que viabilizou a homologação de mais de 52 mil acordos individuais em menos de seis meses, resultando assim no pagamento de R$ 2,47 bilhões diretamente às pessoas atingidas. Os acordos envolveram diferentes portas indenizatórias previstas no Acordo de Repactuação, como os programas Novel, PIM, AFE e o Programa de Indenização Definitiva (PID).
Aberto à adesão em 26 de fevereiro de 2025, o PID é voltado para a reparação de danos de pessoas que ainda não haviam sido contempladas por outros programas. Até 16 de maio, foram 216.925 solicitações formalizadas. Dessas, 147.321 tiveram documentação validada e seguem para as próximas etapas do fluxo, com 97% das análises iniciais concluídas, conforme dados da Samarco.
No período avaliado, 48.159 acordos foram homologados no âmbito do PID, com pagamentos que totalizam R$ 1,69 bilhão (R$ 1.685.565.000,00), compondo a maior parte dos valores pagos a pessoas atingidas no semestre.
Mas, apesar dos avanços, o processo de adesão enfrentou diversas dificuldades operacionais, como instabilidade na plataforma digital, lentidão nos atendimentos e dúvidas sobre os critérios de elegibilidade. Tais dificuldades motivaram a mobilização das IJs, após denúncias das pessoas atingidas, que solicitaram à Samarco a prorrogação do prazo de adesão, inicialmente de 90 dias.
Diante da negativa da empresa, a CODES Interveio e realizou uma audiência com todas as partes no dia 21 de maio de 2025. Como resultado da mediação conduzida pelo desembargador Edison Vitorelli, a Samarco concordou em estender o prazo por mais 39 dias.
O relatório apresenta ainda as reclamações formais das pessoas atingidas, relacionadas à dificuldade de acesso à plataforma do PID e à exclusão de requerimentos. A Coordenadoria alertou a Samarco quanto à necessidade de cumprimento rigoroso das regras de elegibilidade e enfatizou que práticas excludentes podem comprometer a legitimidade e a efetividade do processo de reparação.
Municípios não aderentes ao acordo
O relatório aponta que 23 dos 49 municípios elegíveis optaram por não aderir ao Acordo de Repactuação até o prazo limite de 6 de março de 2025. Entre eles estão Governador Valadares e Alpercata (Território 4).
A adesão ao acordo era uma condição obrigatória para o repasse dos valores previstos no Anexo 15 - Iniciativas Municipais, que destinaria um total de R$ 6,1 bilhões aos municípios atingidos. Os recursos seriam aplicados em áreas como saneamento, saúde, educação, infraestrutura, mobilidade urbana, meio ambiente e fortalecimento da gestão pública local.
No caso específico do Território 4, estavam previstos R$ 272,5 milhões para Governador Valadares e R$ 39 milhões para Alpercata. Com a não adesão, os valores foram excluídos do cronograma de desembolso financeiro do Acordo de Repactuação.
Os pagamentos aos 26 municípios que aderiram começaram em março de 2025, totalizando cerca de R$ 134,5 milhões no período monitorado.
Atraso na contratação de Assessorias Técnicas Independentes
O relatório dedica atenção à situação das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) e destaca a importância de sua continuidade como instrumento de fortalecimento da participação informada das pessoas atingidas. Embora o Acordo de Repactuação reconheça expressamente a relevância das ATIs e preveja sua manutenção nos territórios onde já atuavam, o monitoramento apontou inércia por parte da União em dar andamento aos processos necessários para a sua viabilização, conforme aponta: “As Instituições de Justiça registraram preocupação com o atraso na adequação das Assessoria Técnicas aos parâmetros definidos no Acordo, bem como a ausência de medidas concretas para a implementação desse direito em todos os territórios atingidos”.
A ausência de definições transparentes, como cronograma, critérios e modelo de seleção das novas ATIs, tem gerado preocupação entre as Instituições de Justiça. De acordo com apreciação do CODES, foram constatados atrasos no cumprimento das atividades que deveriam ser desenvolvidas no caso das ATIs e o vácuo institucional compromete diretamente a capacidade das pessoas atingidas de compreender, acompanhar e incidir sobre os desdobramentos do acordo.
“O Ministério do Desenvolvimento Agrário ainda não conseguiu concluir a contratação das Assessorias Técnicas Independentes - ATIs para os territórios atingidos, tarefa que também já se encontra em atraso e compromete a participação informada das pessoas na gestão do caso. Como a participação social é interface de diversos programas previstos no acordo e ela depende, em considerável medida, da atuação em campo das ATIs, esse atraso é motivo de preocupação concreta e deve ser sanado com maior brevidade possível, pela União”, destacou o documento.
Atuação da União
A União editou o Decreto 12.412/2025, que regulamenta a criação do Fundo do Rio Doce e a estrutura de governança e controle na gestão de recursos, com a criação do Comitê do Fundo Rio Doce.
O Comitê do Rio Doce, coordenado pela Casa Civil e composto por secretarias da Presidência da República, foi instituído para organizar a gestão federal, contando com subcomitês temáticos específicos para cada anexo do acordo.
A primeira reunião do Comitê ocorreu em maio de 2025, ocasião que aprovou o estatuto do Fundo e definiu os primeiros instrumentos de planejamento. O BNDES, responsável pela administração financeira, instituiu a Área de Enfrentamento de Eventos Climáticos Extremos e Gestão do Fundo Rio Doce, encarregada de garantir a aplicação transparente dos recursos.
O primeiro ingresso de recursos no fundo ocorreu em 6 de dezembro de 2024, quando o BNDES recebeu o montante de R$ 1,89 bilhão (R$ 1.892.347.879,45), creditado inicialmente em uma conta provisória e corrigido pela Taxa Selic enquanto o fundo ainda não havia sido formalmente constituído. Os rendimentos gerados até 30 de abril de 2025 somaram R$ 92,21 milhões (R$ 92.208.502,85), resultando em um saldo total disponível de R$ 1,98 bilhão (R$ 1.984.556.382,30). A União demonstrou que os valores estão aplicados em conta remunerada, com geração expressiva de rendimentos durante o período de inatividade. Até o momento, conforme o relatório, não foi reportada a utilização de qualquer valor do fundo.

Uma articulação interministerial realizou a Caravana do Governo Federal entre 24 e 28 de março de 2025. A ação envolveu cinco equipes do governo, que percorreram 22 territórios atingidos. Em Governador Valadares e Alpercata, a caravana ocorreu no dia 27 de março. Durante o período, a União também concluiu ações importantes, como a revogação da resolução da Anvisa que proibia a venda de pescado, a consolidação de uma lista com cerca de 22 mil pescadores segurados especiais e a publicação do Plano de Reestruturação da Pesca e Aquicultura (PROPESCA), elaborado em parceria com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
No entanto, o relatório aponta atrasos e falhas no cumprimento de obrigações essenciais. A não apresentação da lista de pescadores com Registro Geral de Atividade Pesqueira (RGP) ativo foi considerada omissão grave pelas Instituições de Justiças, podendo comprometer o acesso de pescadores a programas indenizatórios. A proposta de execução do PROPESCA também foi criticada por contrariar a lógica do fundo perpétuo estabelecida no acordo e por não cumprir o prazo de 180 dias previsto para sua implementação.
Outro ponto de atenção destacado pela CODES é o atraso na operacionalização do Conselho Federal de Participação Social, criado apenas em maio de 2025. Até o momento, os representantes da sociedade civil ainda não foram selecionados, o que compromete a institucionalização da participação das pessoas atingidas nas decisões sobre os rumos do acordo. A CODES reconhece o esforço de mobilização da União, mas considera preocupante o acúmulo de pendências no primeiro semestre de vigência do acordo.
Atuação do Governo de Minas Gerais
Após a homologação da repactuação, o Estado de Minas Gerais iniciou uma série de providências administrativas, legais e orçamentárias para estruturar sua participação na execução das obrigações pactuadas. Um dos principais avanços foi a criação da Superintendência Central de Reparação do Rio Doce, formalizada pela Lei 25.235/2025, vinculada à Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, com o objetivo de garantir coordenação centralizada, atuação articulada e prioridade institucional ao tema da reparação.
Também foi instituído o Comitê Estadual de Minas Gerais, instância colegiada de governança que reúne representantes do Executivo estadual, Defensoria Pública e Ministérios Públicos, conforme previsto no acordo. Houve ainda a ampliação do quadro de pessoal por meio da contratação de mão de obra especializada.
O Estado recebeu R$ 740,3 milhões referentes à primeira parcela do acordo, além de valores complementares de ressarcimento e aportes específicos vinculados aos Anexos 9 (Saneamento) e 18 (Prevenção a Enchentes), totalizando R$ 797,9 milhões, depositados no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).
As ações reportadas pelo Estado envolvem a estruturação e detalhamento de projetos prioritários nos eixos de saúde, saneamento, pesca, infraestrutura de mobilidade e resposta às enchentes. Entre as entregas destacam-se: participação nas instâncias colegiadas do Programa Especial de Saúde do Rio Doce, formalização do Comitê Orientador de Saneamento, lançamento de consulta pública e publicação de edital para concessão da BR-356, além da assinatura de contrato com o BDMG para gestão dos recursos do fundo de perpetuidade do Anexo 18.
Apesar dos avanços, a Coordenadoria Regional de Demandas Estruturais avalia que as entregas do Estado ainda são, em sua maioria, procedimentais e não produziram efeitos diretos para a população ou os territórios atingidos. As IJs reforçam no relatório a necessidade de que os próximos ciclos de execução avancem na aplicação efetiva dos recursos e na implementação concreta das medidas de reparação.
Programa Mulheres é destaque entre ações das Instituições de Justiça
As Instituições de Justiça atuaram prioritariamente na estruturação do Programa Mulheres, previsto no acordo, com orçamento de R$ 1 bilhão. As ações desenvolvidas incluem escuta qualificada, participação em seminários com atingidas e elaboração de termos de referência com base nas demandas apresentadas pelas próprias mulheres. Embora o programa ainda não esteja em fase de implementação, a Coordenadoria considerou os avanços positivos diante da complexidade do tema e da ausência de estrutura prévia especializada nas instituições envolvidas.
Avaliação geral é positiva
Por fim, o TRF6 faz uma avaliação geral positiva da implementação do Acordo de Repactuação até o presente momento: “A impressão geral, ao final do período de apuração, é de sucesso. Em breve prazo, o acordo permitiu o pagamento de quase R$ 2,5 bilhões a mais de 50 mil pessoas e repassou quase R$ 5 bilhões aos entes federados, para a realização de melhorias que também beneficiarão a população atingida. Esse grau de efetividade dificilmente teria sido alcançado por outros métodos de solução de conflitos, especialmente aqueles de caráter heterocompositivo. Além de efetivo, o arranjo consensual homologado pelo Supremo Tribunal Federal segue hígido, não havendo, até o momento, dissensos relevantes entre as partes. A reorganização institucional de todos os envolvidos, desde este Tribunal, passando pelos entes federados, as Instituições de Justiça e a própria Samarco, para atender às necessidades do acordo é significativa e está avançada. Isso sustenta a perspectiva de que os trabalhos poderão avançar mais e com maior agilidade, no futuro.”, conclui.
Para acessar o relatório na íntegra, é só clicar no link: I RELATÓRIO SEMESTRAL DE MONITORAMENTO - NOVO ACORDO DA BACIA DO RIO DOCE (PERÍODO: DEZEMBRO DE 2024 A MAIO DE 2025).
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