top of page

Governador Valadares e Alpercata recebem Caravana Interministerial do governo federal, para apresentar ações do Acordo de Repactuação do Rio Doce

  • Foto do escritor: Salmom Lucas Monteiro  Costa
    Salmom Lucas Monteiro Costa
  • 3 de abr.
  • 8 min de leitura

Pessoas atingidas do Território 4 (Governador Valadares e Alpercata) apresentaram suas dúvidas e reivindicações aos representantes do governo


Aconteceu em Governador Valadares, no dia 27 de março, a Caravana Rio Doce, uma iniciativa do governo federal, por meio da Secretaria-Geral da Presidência da República (SG/PR), para apresentar e esclarecer as ações e compromissos assumidos pela União no Acordo de Repactuação do Rio Doce. O evento, realizado na sede da Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares (ATI CDGV), reuniu representantes de 14 órgãos e entidades governamentais e mais de 200 pessoas atingidas do Território 4 (Governador Valadares e Alpercata). 


A Caravana, que também passou por outras cidades atingidas entre os dias 24 e 28 de março, teve como objetivo ampliar o diálogo com as comunidades, buscar garantir a transparência no processo de reparação e fortalecer a participação social. A mobilização para o evento foi realizada com o apoio das ATIs. 


Lanla Maria, Titular da Comissão Local do Território 4 na Articulação das Câmaras Regionais, iniciou o espaço saudando os participantes e destacando a importância do encontro como um espaço de construção coletiva. Joelma Fernandes, coordenadora da Comissão Local do Território 4, reforçou que a presença da Caravana foi resultado da mobilização das pessoas atingidas e da luta por uma repactuação justa e digna. 


Entre os representantes do governo federal estavam presentes membros do Ministério da Casa Civil, da Secretaria Geral da Presidência da República, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ministério da Educação, Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Ministério da Pesca e Aquicultura; Ministério de Minas e Energia; Secretaria de Relações Institucionais; Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), entre outros. A Defensoria Pública de Minas Gerais também compôs o espaço.


Caravana do governo federal no Território 4. (Foto: Alcides Miranda)
Caravana do governo federal no Território 4. (Foto: Alcides Miranda)

Governo federal apresenta responsabilidades assumidas


Zilda Manuela Onofre, coordenadora-geral de Formulação de Procedimentos da SG/PR, deu início às apresentações do governo federal, ressaltando a importância da reparação coletiva e da participação popular. Destacou ainda a criação do Conselho Federal de Participação Social e a necessidade de um modelo paritário e representativo que permita às pessoas atingidas influenciarem diretamente nas decisões.


Maria Angélica, da Casa Civil, apresentou os valores firmados no acordo de repactuação e destacou que, apesar de não serem suficientes para cobrir todos os danos, representam um avanço em relação à proposta anterior, apresentada no governo passado. Informou também que foi criado o Fundo do Rio Doce, cujos recursos serão geridos pelo BNDES e direcionado para as ações coletivas. Afirmou ainda que o banco instalará um escritório em Belo Horizonte para acompanhar a execução dessas ações. 


Josemar Ramos, do Ibama, detalhou as ações de recuperação ambiental previstas no acordo. Entre elas estão a restauração de 54 mil hectares de mata, a recuperação de 5 mil nascentes e a retirada de rejeitos acumulados na hidrelétrica de Candonga. Também foi anunciado o Programa de Monitoramento da Qualidade da Água e dos Sedimentos, que contará com estações automáticas e análises ecotoxicológicas dos peixes em parceria com universidades.


No campo da saúde, Sérgio Rossi, representante do Ministério da Saúde, reforçou que o desastre continua provocando danos à população. Falou sobre o Anexo 8 - Saúde na repactuação e algumas ações que serão realizadas, que incluem estudos sobre os impactos dos rejeitos na população em parceria com a Fiocruz e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Entre as medidas previstas estão a construção de Centros de Referência para atendimento às pessoas atingidas e o monitoramento da qualidade da água para consumo humano. 


Adriana Aranha, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), ressaltou que a repactuação busca garantir a recuperação produtiva da agricultura familiar. Segundo a servidora, o governo, por meio do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), enviou à Samarco os dados de agricultores da região para viabilizar indenizações. Também foi destacada a manutenção e contratação das Assessorias Técnicas Independentes para apoiar as pessoas atingidas. 


Flávio Costa, do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), explicou que será realizado um diagnóstico sobre os danos na produção rural e na qualidade do solo. Além disso, afirmou que serão implantados viveiros de mudas e unidades demonstrativas para capacitação de agricultores nos 49 municípios atingidos. O governo também planeja apoiar as agroindústrias locais com infraestrutura e equipamentos. 



Pessoas atingidas apresentaram suas dúvidas e reivindicações


Após as falas dos representantes da Caravana, as pessoas atingidas tiveram a oportunidade de se manifestar e apresentar suas reivindicações.


Cláudio, representante da Comissão Local do Lourdes, Vila Bretas e São Geraldo, iniciou sua fala contextualizando que, em 2015, o rompimento da barragem comprometeu a única fonte de abastecimento de água da cidade e ressaltou que as indenizações pelos danos e pela falta de água foram pagas de maneira desigual. "As pessoas receberam valores diferentes pelo mesmo dano. A repactuação não fez justiça a quem recebeu somente mil reais na época e agora não tem mais direito de receber os R$ 13 mil pelo dano água que tem sido oferecido. Como o ministério pretende corrigir esta injustiça? Terá um programa de transferência de renda para corrigir essa desigualdade?".


Fábio, da Comissão Local da Ilha dos Araújos, destacou a fragilidade da captação alternativa de água. "A nossa região é muito sensível ao uso da água, ficamos numa situação caótica. Apesar da captação alternativa, ainda não é suficiente, e não há dados que comprovem que ela pode abastecer a cidade. Além disso, precisamos de um laboratório específico, autônomo e independente para monitoramento da qualidade da água”.


Joelma, da Comissão Local do Território 04, enfatizou a necessidade de um programa de recuperação da mata ciliar, a criação de viveiros de mudas com contratação prioritária de atingidos e a recuperação de nascentes. "Nosso rio não tem voz, e por isso estamos falando”, ressaltou. 


Joelma também levantou questões sobre o CAF. "O prazo foi pequeno e as unidades credenciadoras não estavam preparadas para realizar os cadastros, o que prejudicou o acesso ao PTR-RURAL. Solicitamos a extensão desse prazo e que se considere a DAP das pessoas que eram agricultoras em 2015. Além disso, precisamos de assistência técnica, recursos para insumos e equipamentos. Os programas do PAA e PNAE devem incluir os agricultores atingidos".


Tânia Storck, da Comissão Local do Vila Isa e Região, reforçou a necessidade urgente de resolver o problema da água em Valadares. "Somos a maior cidade do Rio Doce a ser atendida pelo Rio Doce. Valadares nunca ficou tanto tempo sem água. Tem bairros que ficam até 22 dias sem abastecimento. Já são 9 anos e 4 meses de espera, é muita fome, muita sede e muito adoecimento mental. Precisamos fortalecer o SUS e garantir a construção do hospital regional. Precisamos ser respeitados."


José Alves da Silva, da Comissão Local das Ilheiras e Ilheiros, apontou a falta de escuta dos pescadores na construção da proposta de indemnização. "Os pescadores com RGP ativo não foram consultados. O lucro cessante foi calculado de maneira injusta, e os pescadores informais sequer foram reconhecidos na repactuação. Precisamos de medidas para a formalização desses trabalhadores”.


Antônio Carlos de Souza, representante da Comissão Local de Atingidos da Construção Civil, destacou que a construção civil foi a sexta atividade econômica mais atingida. "Muitos profissionais perderam sua principal fonte de sustento devido à falta de areia. É necessário um estudo da qualidade da areia e reparação adequada para os trabalhadores da construção civil”.


Ageu José, representante da Comissão Local do São Tarcísio, afirmou que os comerciantes não foram reconhecidos na repactuação. "Eles são fundamentais para a economia local e precisam ser reparados”. 


Bruno, da Comissão Local do Bairro Elvamar, demonstrou indignação pela falta de reconhecimento das crianças como atingidas. "Como os ministérios pretendem reparar as violações dos direitos das crianças e adolescentes garantidos na Constituição e no ECA?"


Lanla Maria, da Comissão do Local do Nossa Senhora das Graças e Região, questionou sobre a participação social na repactuação. "O Anexo 6 prevê apenas quatro representantes das pessoas atingidas no conselho, um número insuficiente diante da extensão da bacia. A repactuação não pode apagar a organização dos atingidos. Precisamos de esclarecimentos sobre os recursos destinados à participação social e de como será o conselho".


Valdivino Modesto, da Comissão da Cadeia Pesca, denunciou descontos indevidos no pagamento do lucro cessante. "A Renova desconta imposto de renda sem aviso prévio, jogando esse custo nas nossas costas. Quem pode nos dar uma resposta sobre isso?". 


A atingida Sônia alertou sobre os impactos na saúde. "Apenas 9 milhões de metros cúbicos de rejeitos serão retirados do rio, o que não resolve o problema. Os contaminantes continuam na água. O Ministério da Saúde precisa investigar quantas pessoas estão contaminadas”.


Marinalva Alves destacou a ausência de assistência a catadores de recicláveis e pessoas em situação de rua. "Eles foram atingidos, mas não receberam nenhum suporte. Além disso, os serviços de assistência social da cidade estão precários. Precisamos de medidas para atender essa população".


Alessandro de Oliveira cobrou estudos sobre problemas de saúde nas crianças. "Até hoje não há pesquisas que expliquem os problemas renais e intestinais das nossas crianças. Precisamos saber se esses problemas são causados pela água".


José Maria Goulart demonstrou indignação com a ausência de representantes do governo municipal. "Os postos de saúde de Valadares estão sem médicos e sem estrutura. O Ministério Público precisa investigar essa situação”.


Pedro Gonzaga, representante do MAB, reforçou a importância da mobilização popular. "As conquistas apresentadas pelo governo só foram possíveis devido à luta dos atingidos. Precisamos fortalecer a organização das pessoas na bacia do Rio Doce”. 


Ana Luiza Nunes, representante da Comissão Local das Juventudes, destacou que a discussão sobre juventude muitas vezes é reduzida a temas como cultura e lazer, mas que desconsidera outras questões fundamentais, como saneamento, educação e pesquisa. Segundo ela, a exclusão das juventudes dos espaços de decisão impede que suas demandas sejam plenamente reconhecidas e atendidas. "Quando se fala de juventudes, acham que vamos falar somente de cultura e lazer, mas não somente. Falamos de saneamento, educação e pesquisa. Desde então, a gente não é incluído. Em que momento seremos incluídos na plenitude da juventude?".



Entrega de ofícios


Ao final da Caravana, os representantes da Comissão Local do Território 04 entregaram três ofícios ao governo federal, formalizando reivindicações prioritárias para as pessoas atingidas. Os documentos foram encaminhados também, por e-mail, pela Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares.


Entre os documentos apresentados, está o Ofício nº 009/2025, que destaca questões críticas que persistem após nove anos do desastre. Entre as principais reivindicações está a equiparação dos valores indenizatórios pelo "dano água", transparência nos estudos sobre o sistema alternativo de captação de água no rio Corrente Grande e investigação sobre a contaminação por esgoto da penitenciária local, que despeja resíduos sem tratamento no manancial.


Na área da saúde, os atingidos cobram a conclusão do Hospital Regional de Governador Valadares e a implementação de programas permanentes de monitoramento de doenças relacionadas à contaminação. Para os agricultores familiares, pedem a prorrogação do prazo para emissão do CAF, essencial para acesso a indenizações e programas de transferência de renda, além de investimentos em assistência técnica e insumos para retomada produtiva. O ofício ainda destaca a exclusão de grupos vulneráveis: crianças e adolescentes não são reconhecidos como atingidos, trabalhadores informais da pesca e construção civil ficaram sem reparação, comerciantes atingidos pela queda no movimento após o desastre não foram incluídos nos programas indenizatórios. A Comissão reforça ainda a necessidade de ampliar a participação social nas decisões sobre a aplicação dos recursos, com maior representatividade dos atingidos nos espaços de governança. 


Já o Ofício nº 010/2025 solicita estudos independentes sobre a qualidade da areia e sedimentos do Rio Doce, já que os trabalhadores da construção civil vêm sofrendo com problemas de saúde como dermatites e coceiras devido ao contato com o material potencialmente contaminado por rejeitos da barragem de Fundão. O documento aponta que apesar de estudos anteriores terem analisado a contaminação de peixes e alimentos, não há pesquisas confiáveis sobre os sedimentos no leito do rio, que, segundo relatos e pesquisas acadêmicas, contêm partículas densas de rejeito que afetam a qualidade da areia e a saúde dos trabalhadores. A categoria, que já enfrenta redução de 53% nos empregos e 13,95% nas remunerações desde o desastre, exige respostas e medidas de reparação, baseadas no Anexo 6 da repactuação, que prevê a realização de diagnósticos socioambientais relevantes para as comunidades atingidas.


Por fim, o Ofício nº 011/2025 traz um conjunto de encaminhamentos resultantes da reunião entre a Caravana Interministerial e a Comissão Local. O documento reforça a necessidade de diálogo contínuo e de respostas efetivas às demandas apresentadas.



Programação da Caravana contou ainda com reunião com lideranças na parte da tarde


Na parte da tarde, antes da Assembleia Geral, a Caravana Rio Doce reuniu-se com lideranças e movimentos sociais no IFMG Campus Governador Valadares. Os representantes do governo fizeram uma apresentação das ações de responsabilidade do governo federal no âmbito do Acordo de Repactuação e, sem seguida, ouviram as reivindicações das lideranças e movimentos sociais presentes. 



Texto: Salmom Lucas

Fotos: Alcides Miranda


Comentarios


bottom of page