VI Romaria pela Ecologia Integral marca os seis anos do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho
- Comunicação da ATI da Caritas Governador Valadares
- 11 de fev.
- 6 min de leitura
Atualizado: 12 de fev.
A romaria reuniu pessoas atingidas, fiéis e romeiros e foi seguido pelo ato organizado por familiares das vítimas, as 272 jóias de Brumadinho
No dia 25 de janeiro, a Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser) da Arquidiocese de Belo Horizonte realizou a 6ª Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, um ato de memória, justiça e esperança em homenagem às 272 vidas perdidas no rompimento da barragem B1 na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
Sob o tema “Memória, Justiça e Esperança” e o lema “A Esperança não engana” - inspirado no lema da Campanha da Fraternidade 2025, “Fraternidade e ecologia integral” - a romaria em Brumadinho teve a presença de cerca de 40 pessoas atingidas da comissão territorial e demais comissões locais do Território 4, que participaram de um intercâmbio promovido pela ATI – Cáritas Diocesana de Governador Valadares.
A programação foi iniciada no Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário, com a Santa Missa presidida por dom Francisco Cota, bispo diocesano de Sete Lagoas e presidente da Comissão de Ecologia Integral e Mineração do Regional Leste II da CNBB, e concelebrada por dom Joel Maria e sacerdotes da Renser.
Após a celebração eucarística, os romeiros levaram em peregrinação a imagem de Nossa Senhora da Abadia da Água Suja e a cruz com os nomes das 272 jóias para os familiares das vítimas que se concentravam na Praça Saudade das Joias, para o ato "Memória Irreparável", por Justiça, Encontro, Memória, Não-Repetição e Direito dos Familiares, promovido pela AVABRUM (Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão – Brumadinho).
O termo “joias” foi adotado pelos familiares em resposta ao então presidente da Vale, Fábio Schvartsman, que, em depoimento no Congresso, usou a palavra para se referir à importância econômica da empresa. Para os familiares, as verdadeiras Joias são as vidas humanas.
Às 12h28, no mesmo horário em que a estrutura da barragem colapsou em 2019, centenas de pessoas presentes fizeram um minuto de silêncio. Logo depois, 2.192 balões amarelos subiram aos céus, representando a quantidade de dias sem resposta para a catástrofe humana, social, ambiental e trabalhista que foi o rompimento.
Atingidas de Valadares dialogam com a ministra Macaé Evaristo
Em meio a mobilização, que promoveu a união de centenas de pessoas em defesa dos direitos das comunidades atingidas por crimes ambientais, as atingidas do Território 4 (Governador Valadares e Alpercata), Joelma Fernandes e Lanla Maria Soares, apresentaram suas reivindicações diretamente à ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo.
Joelma fez um apelo à ministra e destacou a exclusão de muitas pessoas atingidas nos processos de reparação e repactuação conduzidos até o presente momento. “Pedimos, encarecidamente, que os direitos humanos entrem na causa da Samarco, do crime que aconteceu em 2015, a qual estamos sendo injustiçados. Nós fomos na sua posse, entregamos um manifesto. Hoje estamos aqui, pessoalmente, para que a senhora possa nos atender, levar a questão ao presidente Lula, para que essa repactuação não seja do jeito que está sendo. Porque os menos favorecidos estão ficando de fora. Então, fazemos esse apelo e confiamos na senhora”, afirmou Joelma.
Lanla Maria reforçou a necessidade de maior envolvimento do Ministério dos Direitos Humanos nos debates relacionados à repactuação e chamou a atenção para a ausência do órgão nas discussões. “Estamos aproveitando esse espaço para fazer uma denúncia: a ausência do Ministério dos Direitos Humanos na mesa de repactuação e, após a repactuação, também nas tratativas. O ministério não está presente, mas nós achamos que é de total importância para garantir os direitos da população atingida. Até o momento, o acordo é uma violação, porque os atingidos não participaram e, aqueles que podiam lutar por nós, falar por nós, ficaram de fora”, pontuou.

Diante das demandas apresentadas, a ministra Macaé Evaristo destacou que está no início de sua gestão e se comprometeu a levar as reivindicações às instâncias competentes. “Cheguei ao ministério há pouquíssimo tempo, então estou acolhendo essa demanda de vocês. Vou conversar com os setores que estão mais envolvidos e levar essa reivindicação, inclusive organizando uma escuta mais planejada. Eu levo daqui essa tarefa, de articular com a nossa ouvidoria e pegar o contato de vocês para fazermos uma conversa e levar essa reivindicação para os setores do governo, para que possamos nos inserir [nas discussões]”, afirmou a ministra.
Mulheres atingidas de Brumadinho
Na busca pela reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, duas lideranças de comunidades atingidas, Patrícia Passarella e Camila Moreira, expressaram indignação com a impunidade e a falta de transparência no processo de justiça e reparação.

Patrícia, da comunidade de Itacoaras, em Esmeraldas, integrante da Rede de Atingidos, aproveitou a oportunidade para denunciar que a negligência no processo de reparação não é apenas da mineradora Vale, mas também das instituições de justiça e do Estado de Minas Gerais.
Segundo Patrícia, propagandas da Vale destacam números questionáveis de reparação, como os supostos 73% anunciados recentemente, segundo ela. “Onde está esse 73%? Nós não sabemos onde está. Estão tentando cortar o PTR, que é a única garantia mínima de dignidade para 150 mil pessoas”, denuncia. A atingida destaca ainda o receio de que, em março, o Programa de Transferência de Renda (PTR) seja reduzido, deixando milhares em situação de vulnerabilidade.
Camila Moreira, liderança de Brumadinho, reforçou a denúncia e destacou o que considera uma tentativa de silenciamento das comunidades atingidas. “Nos deram um cala-boca e ainda somos processados por nos manifestar, um direito constitucional. Estamos aqui bebendo água contaminada, cheirando o pó do minério e revivendo a memória de onde morreram 272 pessoas”.
Camila também criticou a distância crescente entre as promessas de reparação e a realidade enfrentada pelas comunidades. “Cada dia que passa, a reparação vai se afastando e a gente vai ficando adoecido com essa situação”.
Por fim, as lideranças reafirmaram que a luta por reparação não se resume a indenizações financeiras. “Não estamos atrás de dinheiro, mas de dignidade e justiça”, concluiu Patrícia. “Estamos aqui sofrendo e resistindo, enquanto a memória das vítimas e o direito dos atingidos são cada vez mais esquecidos”. reforçou Camila.
Atingidos indígenas
Entre os participantes das manifestações, esteve o cacique Carlinhos, do povo Xukuru Kariri, que, junto com sua comunidade, luta para preservar os territórios tradicionais e dar suporte às famílias atingidas.

O indígena destacou os danos sofridos pelo seu povo desde que ocuparam, em 2022, uma área próxima à mineradora Vale. “Nós fomos atingidos principalmente no direito de ir e vir. Quando fizemos a retomada em Melo Franco, a empresa dificultou o acesso a alimentos e monitorou nossas famílias com drones, tirando a privacidade de nossas mulheres e filhas”, relatou.
A comunidade Xukuru Kariri tem enfrentado acusações por parte da mineradora, que chegou a alegar que as práticas dos indígenas estariam contaminando as águas locais. “É absurdo que digam isso. Nosso povo cuida da terra. Em seis meses, a quantidade de água da mina que utilizamos só aumentou. Plantamos mais de 2.500 mudas e estamos preservando o meio ambiente que estava abandonado”, defendeu o cacique.
Durante as homenagens realizadas no dia 25 de janeiro, o cacique enfatizou a importância da união entre os povos originários e a sociedade local para dar visibilidade às perdas humanas e ambientais causadas pelo rompimento da barragem. “Participamos dessa romaria há três anos porque queremos justiça. Foram 272 vidas perdidas, mas também contamos o rio Paraopeba como a 273ª vítima. E, se somarmos as vidas da fauna, da flora e dos peixes, as perdas são incalculáveis”, afirmou.
Para o cacique, o direito à memória é essencial para evitar a repetição de tragédias como a de Brumadinho. “Não podemos deixar que o tempo apague a dor e o sofrimento das famílias. Essa luta deve ser diária. Estamos aqui com nossos cantos, nossos maracás, para unir forças e cobrar justiça pelas vidas perdidas. Não vamos esquecer, e não vamos deixar o mundo esquecer”, finalizou.
Parlamentares estiveram presentes
O deputado federal Rogério Correia destacou a dimensão do desastre. “Foi um crime hediondo. Deixar 272 pessoas a 30 segundos da lama é inaceitável. A Vale sabia do risco e, mesmo assim, priorizou o lucro. Até hoje, ninguém foi punido - nem Brumadinho, nem Mariana. Isso mostra o descaso com a vida humana e com o meio ambiente.
Correia ressaltou avanços legislativos, como a aprovação da Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB), além de defender a urgência de projetos como a lei do ecocídio, que visa responsabilizar mais severamente empresas e indivíduos por crimes ambientais. O texto já passou pela Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado. “É fundamental que o Congresso Nacional aprove essa lei e que o presidente Lula a sancione. Precisamos de respostas concretas para evitar novos desastres”, afirmou.
Para Beatriz Cerqueira, deputada estadual, a Romaria e os atos realizados em Brumadinho são fundamentais para manter viva a memória das vítimas. “É uma luta por memória coletiva e pela justiça. São seis anos de impunidade enquanto a Vale utiliza os recursos da reparação em ações que não chegam aos atingidos, mas alimentam uma publicidade enganosa sobre sua suposta responsabilidade social. A reparação se tornou um grande negócio para o governo do estado, enquanto as pessoas seguem desassistidas”.
A parlamentar destacou, ainda, a luta no poder legislativo para barrar projetos que ameaçam o meio ambiente e os territórios. “A pressão das mineradoras é imensa, e elas continuam protegidas pelo poder político e econômico. Nossa luta é para que os direitos dos atingidos sejam efetivados e que tragédias como essa nunca mais se repitam”.
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