Na ocasião foram entregues ofícios de demandas dos atingidos às autoridades presentes, construídos com o apoio da ATI CDGV
As pessoas atingidas do Território 4 (Governador Valadares e Alpercata) da Bacia do Rio Doce apresentaram suas demandas no encontro do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) com os movimentos sociais e populares, ocorrido no último dia 17 no auditório da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce, em Governador Valadares (MG).
O encontro foi promovido pelo MPMG, por meio da Procuradoria-Geral de Justiça e com o apoio da Coordenação de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos), Ouvidoria do MPMG e Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Conflitos Agrários (Caoca), além de contar com a participação da Força Tarefa do Rio Doce, do Ministério Público Federal. A reunião teve como principais objetivos identificar as demandas da região, auxiliar os membros do MPMG a ter ciência de eventuais ameaças a direitos fundamentais e estabelecer metas institucionais em temas de reconhecida relevância social, a fim de garantir o alcance dos resultados.
Dentre as autoridades presentes, que compuseram a mesa da reunião, estavam o Procurador-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, Dr. Jarbas Soares Júnior; o Procurador da República e coordenador da Força-Tarefa Rio Doce, Dr. Carlos Bruno Ferreira da Silva; o Procurador de Justiça e coordenador do Caoca, Dr. Afonso Henrique de Miranda Teixeira; o Corregedor-Geral adjunto, Dr. Mauro Flávio Ferreira Brandão; o coordenador geral da Cimos, Dr. Paulo César Vicente de Lima; o coordenador regional da Cimos, Dr. Evandro Ventura da Silva; e a presidente da Associação Mineira do Ministério Público, Dra. Larissa Rodrigues Amaral.
Além de exporem suas reivindicações durante o encontro em microfone aberto, a população atingida de Governador Valadares e Alpercata também concedeu entrevistas à assessoria de comunicação do MPMG e participou de gravações para a construção de uma reportagem voltada para toda a Bacia do Rio Doce. Foram entregues ainda às autoridades presentes cinco ofícios com a sistematização dos seus danos e demandas. Os temas foram sobre os danos gerais sofridos no Território 4, danos e demandas das ilheiras e ilheiros, danos e demandas da Comissão de Atingidos da Construção Civil, danos e demandas dos comerciantes e danos e demandas dos trabalhadores da atividade de pesca.
Joelma Fernandes, representante dos atingidos do médio do Rio Doce e pescadora da comunidade de Ilha Brava, foi uma das atingidas do Território 4 presentes no encontro. “Buscamos apoio nos Ministérios Públicos estaduais e federal, que nos amparem na busca pela qualidade de vida não apenas para nós, para toda população da Bacia do Rio Doce afetada pelos crimes cometidos. Fico muito feliz que tenham pessoas de todos os lugares aqui, pois essa luta é nossa, é uma luta coletiva de reivindicação dos nossos direitos, que as empresas de mineração tentam nos tirar. Nós vamos usar esse microfone aqui para falar sobre as nossas dores e darmos encaminhamentos às nossas demandas”.
Uma das autoridades que recebeu os ofícios foi o Procurador da República e coordenador da Força-Tarefa Rio Doce, Dr. Carlos Bruno Ferreira da Silva. “A Joelma Fernandes, de Ilha Brava, me entregou uma série de reivindicações e eu mandei não só para todos os Ministérios Públicos e Defensorias Públicas que atuam no caso Rio Doce, como mandei para todas as autoridades, inclusive as mais altas da instância federal que estão envolvidas na repactuação. Então, nesse momento, todas as reivindicações que vieram de Governador Valadares, já estão nas mãos de todas as pessoas que estão envolvidas nesse tema, tanto judicialmente quanto extrajudicialmente”, informou.
Danos gerais do Território 4
O ofício entregue às autoridades no Encontro do Ministério Público de Minas Gerais com os movimentos sociais, sobre os danos gerais, está dividido em oito eixos: danos relacionados à água, danos relacionados à saúde, danos relacionados à cultura, danos relacionados aos projetos de vida, danos relacionados à urbanização, danos relacionados à economia, trabalho e renda, danos relacionados à educação e danos relacionados à alimentação segura e saudável e danos em relação às falhas do processo de reparação.
Ao todo foram apresentados 62 danos e algumas demandas, tais como a necessidade de construção de poços, necessidade de restauração do rio (limpeza, reflorestamento e repovoação dos peixes) e análise da qualidade da água de cisternas e poços artesianos.
Para a construção do ofício, foram realizadas 23 reuniões com as Comissões de Atingidos entre os meses de março e maio, promovidas pela ATI CDGV e que alcançaram mais de mil pessoas. Durante os encontros, os atingidos informaram os danos em suas comunidades provocados pelo rompimento da barragem de Fundão. As falas dos atingidos foram reforçadas em outros espaços posteriormente, como no âmbito da visita do juiz Michel Procópio no território, visitas técnicas da Comissão Extraordinária de Acompanhamento do Acordo de Mariana, Audiência Pública na 43ª Subseção da OAB/MG e visita de representantes do Governo Federal, por meio da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Os referidos espaços e as falas relacionadas aos danos e demandas foram acompanhadas e registradas pela Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares (ATI CDGV), sistematizadas numa etapa seguinte para auxiliar as pessoas atingidas na construção do ofício.
Danos e demandas das ilheiras e ilheiros
Além dos danos e demandas gerais, foram entregues ofícios com temas específicos, como a pauta das ilheiras e ilheiros. O documento apresenta os danos da falta de água para uso nos cultivos, perda de plantios, terra improdutiva, perda de atividades de lazer, perda de criações de animais, assoreamento do rio, rachadura no solo devido ao acúmulo de rejeitos, perda de instrumentos de trabalho, perda de imóveis, ausência de indenizações pelas perdas, entre outros prejuízos.
Algumas das demandas dos ilheiros consistem no apoio das Instituições de Justiça em auxiliar o grupo no reconhecimento como comunidade tradicional, no apoio técnico à diversificação da produção, indenização justa de acordo com as perdas de cada pessoa atingida e apoio na luta por justiça e reparação integral dos danos sofridos.
Danos e demandas dos comerciantes
Outro ofício temático foi dos comerciantes, que sofreram com grandes prejuízos em função da drástica redução de clientes em seus estabelecimentos e a desarticulação da cadeia de atividades ligadas ao Rio Doce. Como consequência, muitos acumularam dívidas, deixaram de exercer suas atividades comerciais e passaram a ocupar postos de trabalho precarizados.
Foi destacado também pelos comerciantes, principalmente dos bairros Santa Terezinha e São Paulo, a nova adutora, construída no âmbito da reparação. As obras, iniciadas em 2018, duraram seis anos, com constantes bloqueios de ruas que impossibilitaram a circulação de veículos e pedestres, acarretando assim prejuízos com a queda de movimento nos comércios locais, além de transtornos enfrentados pelos moradores com os constantes rompimentos nas tubulações e interrompimento do fornecimento de água, que ocorrem até os dias atuais.
Dentre as solicitações às Instituições de Justiça listadas no documento, os comerciantes demandam indenizações justas, programas de compensação que possam atrair clientes e auxílios financeiros para complementar a renda enquanto buscam recuperar o faturamento perdido.
Danos e demandas dos trabalhadores da pesca
Em relação aos danos e demandas dos trabalhadores da pesca, o ofício chama a atenção para as 10 toneladas de peixes mortos em toda a extensão do Rio Doce, o que afetou diretamente as atividades produtivas e comerciais da categoria. Dentre as solicitações, os trabalhadores destacam a garantia de que os auxílios mensais não sejam interrompidos e que novas pessoas possam acessá-los, além da participação das discussões do processo de repactuação para que suas pautas sejam ouvidas e as propostas implementadas para uma justa reparação integral dos danos.
Danos e demandas dos trabalhadores da construção civil
As pautas dos atingidos da construção civil também foram levadas em ofício ao MPMG. A categoria envolve gesseiros, pedreiros, carpinteiros, armadores, eletricistas, bombeiros, pintores, areeiros, auxiliares, entre outros. Um ponto sensível é dos areeiros artesanais. Com o rompimento da barragem de Fundão o setor ficou paralisado à época em função da falta de areia, o que acarretou na perda de renda dos trabalhadores por um determinado período prolongado e a desarticulação da categoria.
As reivindicações giram em torno de indenizações referentes a perda abrupta de trabalho após o rompimento e de um programa de transferência de renda de compensação para os próximos anos, até o Rio Doce ser restituído e limpo.
ATI em ação
Para o encontro com o Ministério Público e auxiliar as pessoas atingidas na construção das pautas de reivindicação e ofícios entregues, a ATI CDGV promoveu reuniões no DIA 26 de julho com a população ilheira e nos dias 08, 09, 10, 14, 15 e 16 de agosto com os comerciantes, trabalhadores da construção civil e da pesca na sede da ATI CDGV.
Os espaços, provocados pelos atingidos que encontram-se em constante articulação na luta pelos seus direitos, contou com a presença de cerca de 130 pessoas em todas as reuniões. Além de auxiliá-los na construção dos ofícios, o grande compromisso por trás, com as pessoas atingidas, é de apoiá-las na auto-organização e fortalecê-las, cada vez mais, em torno das pautas reivindicadas. “Essa é uma das atribuições da ATI, apoiar tecnicamente as demandas das pessoas atingidas, para que possam chegar de modo organizado nas instâncias pertinentes do processo e reparação, a exemplo do encontro promovido pelo Ministério Público com os movimentos sociais”, explicou Amanda Fernandes, gerente técnica da ATI CDGV.
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