Justiça brasileira apura conduta de escritório inglês na relação com as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão
- Salmom Lucas Monteiro Costa
- 22 de jul.
- 5 min de leitura
Em paralelo, processo em Londres segue para fase de análise dos danos
Enquanto a Corte Inglesa organiza o processo para a fase de análise dos danos e possíveis indenizações relativas ao rompimento da barragem de Fundão, a atuação do escritório britânico Pogust Goodhead no Brasil se tornou objeto de ação judicial. No último dia 16 de maio, as Instituições de Justiça (IJs) - Ministério Público Federal (MPF), Ministérios Públicos e Defensorias Públicas de Minas Gerais e Espírito Santos e Defensoria Pública da União - propuseram uma Ação Civil Pública (APC), na 13ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte contra Pogust Goodhead Law Lda e o escritório Felipe Hotta Advocacia, parceiro local do grupo inglês.
A ACP busca apurar práticas que as IJs consideram abusivas nos contratos firmados pelo escritório estrangeiro com as pessoas atingidas. Entre as alegações, estão cláusulas que cobrariam honorários advocatícios sobre indenizações conquistadas no Brasil (mesmo sem participação direta do escritório), restrições à rescisão contratual, multas para quem desistisse da ação inglesa e campanhas que desaconselhariam a adesão ao Programa Indenizatório Definitivo (PID), previsto no Acordo de Repactuação.
A título de exemplo, o escritório Pogust Goodhead disponibilizou no Brasil uma ferramenta on-line que permite aos clientes consultar os valores estimados em caso de vitória na ação inglesa, comparando com os valores do Programa de Indenização Definitiva (PID). Todavia, a ferramenta não apresenta transparência sobre a metodologia utilizada para calcular essas estimativas, o que, segundo as Instituições de Justiça, pode induzir as pessoas atingidas a decisões equivocadas e resultar em prejuízos irreversíveis, uma vez que podem perder a oportunidade de acessar as portas indenizatórias já definidas no Brasil - inclusive o próprio PID.
A ação também pede:
O reconhecimento da jurisdição brasileira para processar e julgar os contratos firmados entre os atingidos e o escritório, afastando cláusulas de competência exclusiva da justiça estrangeira.
A concessão de tutela provisória de urgência, tendo em vista o prazo de adesão ao PID, para determinar a suspensão imediata das cláusulas abusivas nos contratos, com intuito de proibir que o escritório inglês realize qualquer cobrança de honorários sobre indenizações obtidas no Brasil, inclusive por acordos.
O reconhecimento da nulidade de cláusulas abusivas nos contratos firmados pelos escritórios com os atingidos.
A possibilidade de rescisão dos contratos por parte dos atingidos sem penalidades ou multas abusivas.
A condenação do escritório ao pagamento de danos morais coletivos, no valor de R$ 45.525.200,00 (quarenta e cinco milhões, quinhentos e vinte e cinco mil e duzentos reais), a ser destinados a fundos de reparação coletiva ou a programas de assistência aos atingidos.
Obrigação de cessar campanhas e comunicações que desinformam os atingidos, induzindo à não adesão aos programas indenizatórios brasileiros e de informar todos os clientes sobre a decisão judicial a ser proferida, além de ‘contrapropaganda’, para desfazer os efeitos das mensagens abusivas.
Proibição da cobrança de honorários advocatícios sobre valores obtidos extrajudicialmente, como no PID ou outro acordo firmado no Brasil, sem a devida atuação direta do escritório.
O escritório Felipe Hotta Advocacia se manifestou na ACP negando qualquer vínculo societário com a Pogust Goodhead e afirma que apenas presta serviços jurídicos como colaborador. Já a Pogust Goodhead alega que a ação das Instituições de Justiça favorece interesses das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, e que seus contratos são legítimos, regidos pela legislação inglesa e firmados com assistência de advogados brasileiros escolhidos livremente pelas pessoas atingidas.
Em meio ao andamento da ação, no último dia 18 de julho, a Justiça Federal concedeu uma decisão liminar determinando medidas imediatas relacionadas às práticas apontadas como abusivas. A juíza Fernanda Martinez Silva Schorr, da 13ª Vara Federal Cível de Belo Horizonte, reconheceu a competência da Justiça brasileira para julgar os contratos firmados entre o escritório inglês e os atingidos, destacando que, embora houvesse cláusula de foro de eleição prevendo a jurisdição inglesa, os contratos envolvem pessoas residentes no Brasil em situação de vulnerabilidade econômica e jurídica.
A decisão também reconheceu a legitimidade do Ministério Público Federal e das demais Instituições de Justiça para propor a ação, considerando o interesse social e a natureza coletiva dos direitos envolvidos. Em caráter provisório, a juíza determinou a suspensão de cláusulas que dificultavam a rescisão dos contratos e que impediam as pessoas atingidas de aderirem aos programas indenizatórios nacionais sem a anuência do escritório inglês. Também foi determinado o depósito judicial de valores cobrados como honorários advocatícios sobre acordos na justiça brasileira, inclusive indenizações obtidas via PID, além da obrigatoriedade de divulgação do inteiro teor da decisão nos canais de comunicação do Pogust Goodhead e do escritório Hotta Advogados. A decisão ainda é passível de recursos.
Audiências na Corte Inglesa definem próximos passos da ação internacional
Em paralelo, nos dias 2 e 3 de julho, a Corte Inglesa realizou nova audiência de gerenciamento de caso (Case Management Conference – CMC), no âmbito do processo coletivo movido contra a BHP Billiton. A audiência teve como foco a organização da próxima fase do processo, que será dedicada à apuração dos danos e à definição dos critérios de cálculo das indenizações.
Embora o tribunal ainda não tenha publicado a sentença sobre a responsabilidade da BHP pelo rompimento - decisão que era aguardada para meados de 2025 -, o escritório Pogust Goodhead informou que o tribunal inglês começará a examinar os danos e possíveis indenizações. Também foram discutidos casos-modelo que poderão servir como parâmetro para indenizações e reconhecidas algumas áreas como atingidas, embora não tenham sido divulgadas quais.
De acordo com o cronograma previsto, o julgamento para discutir valores de indenização deverá ocorrer apenas em outubro de 2026, caso a BHP Billiton seja considerada culpada. Entre os presentes à audiência estiveram representantes do escritório Pogust Goodhead, advogados da mineradora e representantes brasileiros, como o prefeito de Mariana/MG, Juliano Duarte, e o líder indígena Marcelo Krenak. Mariana pleiteia receber cerca de R$ 28 bilhões em indenizações, valor superior ao previsto para o município no âmbito do Acordo de Repactuação (R$ 1,2 bilhão).
Entenda
A ação coletiva na Inglaterra foi proposta em 2018 e reúne atualmente mais de 600 mil autores, incluindo populações indígenas e quilombolas, municípios e pessoas físicas e jurídicas. O valor total reivindicado supera R$ 230 bilhões e é calculado com base nas perdas individuais e coletivas, a partir de questionários respondidos pelos atingidos e relatórios elaborados por especialistas e instituições brasileiras como a Fundação Getúlio Vargas e a Universidade de São Paulo.
A ação tramita na Inglaterra devido à presença da BHP na Bolsa de Londres e porque a mineradora anglo-australiana, controladora da Samarco junto à Vale, é uma empresa transnacional. A Justiça inglesa aceita que o processo seja fundamentado na legislação brasileira, ou seja: julgada no Reino Unido, mas fundamentada no ordenamento jurídico brasileiro.
Material informativo elaborado em parceria com o jurídico da ATI - Cáritas Diocesana de Governador Valadares.
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