Confira os temas que foram tratados nas audiências e todas as informações sobre o Processo da Inglaterra
O processo movido na Corte Inglesa pelas vítimas pelo rompimento da barragem de Fundão, contra as empresas BHP Billiton e Vale, teve as primeiras audiências realizadas nos dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro de 2024, em uma etapa denominada como “Case Management Conference” (CMC), ou Audiência para Gerenciamento do Caso, para a definição de regras sobre o andamento do processo.
Na ocasião, as partes envolvidas debateram questões administrativas da ação processual, conteúdo a ser apresentado no julgamento, prazos, próximas audiências e cronograma, bem como alterações de informações enviadas à corte, revisões e divulgação de documentos. A data do julgamento do caso para o dia 7 de outubro de 2024 foi mantida, apesar das tentativas de adiamento por parte dos réus, conforme informou o escritório de advocacia Pogust Goodhead, responsável pela ação e que representa os reclamantes na Corte Inglesa.
A única mudança foi em relação à sua duração, que passou de 11 semanas para 14 semanas, em atendimento a Vale, que se tornou ré na ação em outubro de 2023 e pediu a extensão do prazo alegando a necessidade de ouvir mais testemunhas e especialistas sobre o caso. Dessa forma, o julgamento que seria concluído ainda em 2024, será finalizado só em 2025.
“O processo tem muitas etapas até a data do julgamento em si, desde audiências menores, às apresentações de documentos e provas, por exemplo”, destacou o escritório Pogust Goodhead.
Mas porque a ação é movida na Inglaterra? Quem são os mais de 700 mil autores que entraram na ação coletiva? Qual o valor da indenização que tem sido reivindicado? Quais as fundamentações da ação movida? É possível ainda entrar com ação na Inglaterra? Em qual contexto está inserido o Processo da Inglaterra no âmbito do processo reparatório/indenizatório? O processo da Inglaterra tem relação com a repactuação ou irá impactar a repactuação de alguma forma?
Essas e outras questões foram levantadas pela Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares (ATI CDGV), para esclarecer todas as dúvidas das pessoas atingidas do Território 4 (Governador Valadares e Alpercata), tendo em vista que é uma pauta recorrente levantada pela população desde a implementação da ATI CDGV, mas que não são de agora os questionamentos, segundo aponta relatório do Fundo Brasil de Direitos Humanos de 2020, então expert do Ministério Público Federal: “um tema recorrente nas reuniões, como dúvida apresentada pelos atingidos, foram os processos da Inglaterra”, destacou o relatório “PROGRAMA RIO DOCE - Escolha de Assessoria Técnica para o Território 4 – Governador Valadares, Ilha Brava, Baguari e Alpercata (MG)”.
Porque a ação é movida na Inglaterra?
A ação na Corte Inglesa ocorre pelo fato da Samarco, responsável pela barragem de Fundão, ser controlada pela BHP Billiton em sociedade com a Vale. Nesse sentido houve um entendimento de que a BHP, por atuar como controladora da Samarco e por ser uma empresa transacional que negocia ações na Bolsa de Londres, poderia então responder perante a Justiça da Inglaterra.
A BHP tentou impedir abertura do processo, alegando que já havia uma ação na justiça brasileira em curso. Durante audiência pública da “Comissão Externa destinada a fiscalizar os rompimentos de barragens, em especial acompanhar a repactuação do acordo de Mariana e a reparação do crime de Brumadinho” (CEXMABRU), realizada na Câmara dos Deputados no dia 20 de setembro de 2023, Thomas Goodhead, sócio-administrador e CEO do Pogust Goodhead, explicou que a argumentação da BHP foi inicialmente acatada pela corte britânica, mas em recurso a Justiça entendeu que a morosidade no julgamento no Brasil é uma razão justificável e assim, no dia 8 de julho de 2022, a Corte de Apelações foi favorável aos autores e decidiu que suas demandas podem ser julgadas na Inglaterra.
“O que as empresas disseram na Inglaterra? Que tudo estava bem no Brasil, que a Renova estava agindo de acordo, que o caso seria sem justificativa e um gasto de tempo. Foi exatamente no que eles insistiram e o juiz de primeira instância acolheu e acreditou nessa narrativa. Só que ele estava de alguma forma enganado, porque na verdade a realidade não estava sendo mostrada de forma correta. Recorremos, então, em janeiro de 2021, mas o recurso foi negado, isso porque o juiz também acreditou no que as empresas diziam, de que tudo caminhava bem no Brasil. Portanto, em junho de 2021, entramos com um tipo de procedimento na Inglaterra, que só é autorizado em caso de grave injustiça. Em 2022, a Corte de Apelação da Inglaterra, liderada por juízes com maior senioridade dentro da Justiça Inglesa, viram o caso com melhores olhos e de como as vítimas não estavam recebendo uma reparação adequada no Brasil e, assim, reabriu o caso”, explicou Thomas Goodhead durante a audiência.
Inicialmente a ação foi proposta apenas contra a BHP, mas a Corte Inglesa permitiu a inclusão da Vale a partir de um processo movido pela própria BHP, que recorreu ao tribunal pedindo que a Vale contribua financeiramente com o pagamento das indenizações, no caso de uma eventual condenação.
Quem entrou na ação coletiva na Corte Inglesa?
A ação judicial na Inglaterra contra a BHP Billiton e a Vale foi protocolada no ano de 2018 e conta com a autoria de mais de 700 mil vítimas pelo rompimento da barragem de Fundão. O escritório de advocacia britânico, Pogust Goodhead, é o responsável pela ação e representa os reclamantes na Corte Inglesa.
“O propósito dessa ação conjunta é responsabilizar as empresas que têm faturado no Brasil dezenas de bilhões de dólares e cometeram um crime que gerou a morte de 19 pessoas e provocou diversos danos. O propósito, portanto, da ação, é garantir justiça para as vítimas no tribunal em Londres, onde é a casa das empresas”, destacou Thomas Goodhead, da Pogust Goodhead, durante audiência da CEXMABRU.
Inicialmente, quando a ação foi ajuizada em 2018, foram 200 mil reclamantes, entre pescadores, indígenas, quilombolas, municípios, empresas, autarquias, entidades religiosas e pessoas atingidas de modo geral, que solicitaram US$ 6 bilhões em reparação. Entretanto, segundo o Relatório Temático - Mariana e Bacia do Rio Doce (CEXMABRU) de novembro de 2023, nos últimos cinco anos mais 500 mil pessoas ingressaram à ação coletiva, solicitando US$ 44 bilhões, além do ressarcimento dos prejuízos e correções pelo juros a partir da data do rompimento da barragem.
Dos 700 mil reclamantes, há 10 mil pessoas das comunidades indígenas Krenak, Guarani, Tupiniquim e Pataxó, além de comunidades quilombolas. Entre empresas, autarquias e instituições religiosas, são 2.500 autores.
De qual país é a fundamentação jurídica de referência do processo?
A Justiça Inglesa permite que se proponha uma ação na Corte Britânica e que seja utilizada a fundamentação jurídica do país onde ocorreu o crime. Nesse sentido, as empresas BHP e Vale estão sendo julgadas na Inglaterra com base nas leis brasileiras.
“A ação na Inglaterra, ao utilizar a legislação brasileira como parâmetro legal, reforça a compreensão de que temos uma legislação avançada e capaz de dar uma resposta para atingidos e atingidas”, apontou o Relatório Temático - Mariana e Bacia do Rio Doce (CEXMABRU).
Quais as fundamentações da ação movida na Corte Inglesa?
A ação movida está baseada em três fundamentações, que são:
As empresas serem responsabilizadas pela poluição da Bacia do Rio Doce, com base na Política Nacional do Meio Ambiente;
As empresas serem responsabilizadas pelo colapso por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, com base no Código Civil Brasileiro;
As empresas serem responsabilizadas pelo dano na qualidade de acionista controladora da Samarco, conforme a Lei das S.A. (Sociedades Anônimas).
Qual o valor da indenização que tem sido reivindicada na Corte Inglesa?
É importante destacar que o valor da ação da justiça britânica é uma estimativa apresentada pelo escritório Pogust Goodhead, mas que não necessariamente será o valor deliberado pela Corte Inglesa.
O valor total reivindicado é de R$ 230 bilhões, sendo:
Municípios: R$ 43 bilhões;
Indivíduos: R$ 121 mil/pessoa em média (exceto indígenas e quilombolas).
Segundo Thomas Goodhead, durante audiência pública da Comissão Externa destinada a fiscalizar os rompimentos de barragens, para calcular o valor, o primeiro passo consistiu em 610 mil pessoas atingidas responderem um questionário individual a respeito das perdas e danos que as vítimas sofreram pelo rompimento da barragem de Fundão.
Já os 46 municípios, por exemplo, disponibilizaram relatórios com evidências sobre suas perdas tributárias desde a data do rompimento, danos ambientais, danos à infraestrutura do município, custos relacionados ao sistema público de saúde e danos morais coletivos.
A quantificação dos valores contou ainda com o envolvimento de uma empresa internacional forense, além de professores e especialistas da Fundação Getúlio Vargas e da Universidade de São Paulo.
O valor para reparar os danos sofridos pelas comunidades indígenas e quilombolas foi maior e calculado em milhões. Por essa razão não entrou no cálculo do valor médio por indivíduo.
É possível ainda entrar com ação na Inglaterra?
O processo que conta com mais de 700 mil autores está fechado para o ingresso de novos reclamantes, mas o Pogust Goodhead anunciou em fevereiro de 2024 uma nova ação internacional e abertura de cadastro, exclusiva para as pessoas físicas ou jurídicas que não conseguiram se cadastrar na ação da Inglaterra.
Para outras informações, acesse o site: https://acoesdoriodoce.com/ .
Em qual contexto do processo reparatório/indenizatório está inserida a Ação da Inglaterra?
Após o rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015, foram disponibilizados à população atingida o programa de mitigação, chamado de Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), mais dois modelos de programas de indenização, o Programa de Indenização Mediada (PIM) e o Sistema Indenizatório Simplificado (SIS/NOVEL). Cada um dos programas com regramentos próprios e tendo como porta de entrada a realização de um Cadastro pela Fundação Renova, também responsável pela execução dos programas. Mas, além dos programas, há outra forma de obter o direito às indenizações, que é por meio da justiça.
Abaixo, entenda os objetivos dos programas e quais as outras modalidades de acesso ao ressarcimento pelos danos.
O AFE foi destinado às pessoas atingidas que tiveram suas rendas comprometidas de alguma forma em razão do rompimento.
O PIM tem como objetivo ressarcir e indenizar pelos danos provocados pelo rompimento em função de danos morais, materiais e lucros cessantes.
Já o SIS/NOVEL possibilita a indenização de categorias hipossuficientes, ou seja, os trabalhadores informais que não possuem comprovação material dos danos. O sistema também indeniza Dano Água e categorias formais, como pescadores profissionais, proprietários de embarcações e empresas como hotéis, pousadas e restaurantes. Para isso, é utilizado uma Matriz de Danos por Categorias Profissionais com valores pré-fixados.
E a outra forma da pessoa atingida ser indenizada é por meio de uma Ação Individual na Justiça Local, que pode ser ingressada por qualquer cidadão por meio de advogado ou Defensoria Pública. Após apresentação das perdas e/ou danos, estimativa do valor a ser indenizado e reunião de provas, as partes entram em um acordo ou uma decisão judicial irá determinar a indenização. Nesse sentido, pelos motivos explicados acima, o Processo da Inglaterra é um outro caminho em busca do ressarcimento dos danos provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, ao ingressarem com a ação coletiva na Corte Inglesa que conta com mais de 700 mil autores e representados pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead.
Processo da Inglaterra e repactuação do processo reparatório
Atualmente seguem em curso, por meio da condução do Tribunal Regional Federal – TRF da 6ª região (TRF6), as negociações da repactuação do processo reparatório que, em linhas gerais, trata-se de um novo acordo extrajudicial de conciliação entre as partes. Embora esteja em curso o Processo da Inglaterra e que não tem relação direta com as discussões da repactuação, a Comissão Externa destinada a fiscalizar os rompimentos de barragens, em seu relatório apresentado em novembro de 2023, destacou que as empresas podem dificultar a conclusão do processo de repactuação em função da expectativa em relação ao julgamento da Corte Inglesa.
“O que poderia esvaziar a possibilidade de um acordo justo e integral, que garanta que as empresas devam manter suas obrigações de recuperar o meio ambiente e a qualidade da água do Rio Doce, após o novo acordo ser firmado”, destacou o Relatório Temático - Mariana e Bacia do Rio Doce (CEXMABRU).
Para saber mais sobre a repactuação, CLIQUE AQUI.
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