STF reafirma que decisões estrangeiras não têm eficácia automática no Brasil em caso envolvendo o rompimento da barragem de Fundão
- Salmom Lucas Monteiro Costa
- há 3 dias
- 3 min de leitura
Ministro Flávio Dino, relator do caso, afirma que apenas o STF pode autorizar execução de sentenças estrangeiras e impede novos processos de Estados e Municípios brasileiros em cortes internacionais
Em decisão proferida no dia 18 de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou que medidas cautelares concedidas pela Justiça Inglesa, relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão, não tem eficácia automática em território brasileiro. A decisão foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1.178, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), e deve impactar diretamente a atuação de municípios que buscavam reparação de danos em cortes estrangeiras.
Segundo o relator, a questão central era saber se uma decisão da justiça inglesa poderia produzir efeitos contra pessoas jurídicas de Direito Público ou Privado sediadas ou atuantes no Brasil. A resposta, para Dino, é negativa, pois fere o fundamento da soberania previsto no art. 1º, I, da Constituição Federal, além de destacar que Brasil e Inglaterra são Estados nacionais, iguais entre si, o que impossibilita a submissão de um à jurisdição de outro.
Principais pontos da decisão:
No despacho, o ministro argumentou que:
Decisões judiciais estrangeiras só podem ser executadas no Brasil após homologação ou via mecanismos de cooperação internacional;
Leis e atos administrativos estrangeiros não produzem efeitos automáticos sobre pessoas, bens e empresas no país;
A presunção de ineficácia de atos de outros Estados só pode ser afastada pelo STF;
Estados e Municípios brasileiros ficam impedidos de propor novas ações em tribunais estrangeiros sobre o caso, em respeito à soberania nacional.
O ministro também convocou audiência pública para debater o tema, admitiu a Frente Nacional de Prefeituras e Prefeitos como amicus curiae (amigo da corte) e determinou que qualquer transação, bloqueio de ativos ou transferência de recursos determinada por Estado estrangeiro dependa de autorização expressa do STF.
Contexto da ação
A ADPF 1.178 foi ajuizada pelo IBRAM em 2024, sob o argumento de que a atuação de municípios brasileiros em cortes internacionais - como na ação coletiva movida em Londres contra a mineradora BHP Billiton - viola a soberania nacional e o pacto federativo. O instituto também questiona os contratos de risco firmados por cidades com escritórios de advocacia estrangeiros, alegando que os altos percentuais de “taxa de sucesso” podem comprometer o erário e prejudicar as próprias vítimas do desastre.
A Advocacia-Geral da União (AGU), por meio da Procuradoria Nacional da União de Assuntos Internacionais, manifestou-se no mesmo sentido: municípios teriam competência para litigar no exterior, e essa prática poderia “esvaziar intencionalmente” a jurisdição brasileira.
Histórico de decisões
O relator, ministro Flávio Dino, já havia tomado medidas cautelares no caso. Em outubro de 2024, o STF proibiu municípios de pagarem honorários a escritórios estrangeiros sem a análise prévia da Corte. Em março de 2025, Dino reforçou que consequências de sentenças estrangeiras estão subordinadas aos órgãos de soberania do Brasil.
Apesar disso, em março de 2025, cidades como Mariana, Ouro Preto e Aimorés informaram ao Supremo sobre decisão cautelar da Justiça Inglesa determinando que o IBRAM desistisse de seu pedido de liminar na ADPF, sob pena de prejuízo grave à participação dos municípios no processo internacional.
O que diz o Escritório Pogust Goodhead?
O escritório Pogust Goodhead, responsável pela ação na Inglaterra, afirmou em nota que a decisão do STF não afeta os processos já em andamento em cortes estrangeiras, incluindo os de Mariana (Inglaterra e Holanda) e o caso da Braskem (Holanda). Segundo o escritório, a determinação se aplica apenas a futuras iniciativas de entes públicos brasileiros.
O processo em Londres, movido por mais de 700 mil vítimas do desastre do rompimento da barragem de Fundão, continua em curso. A expectativa é que a Corte inglesa julgue a responsabilidade da BHP a qualquer momento. Se a mineradora for condenada, a fase de individualização de danos e arbitramento de valores indenizatórios está prevista para outubro de 2026.
Atenção, atingidos e atingidas!
É importante destacar um esclarecimento importante: o STF, ao julgar a ADPF 1178, não “criou uma nova regra” que só valeria a partir de agora. O Supremo fixou uma interpretação constitucional que já existia, reafirmando que municípios nunca tiveram competência para litigar em cortes estrangeiras e que decisões estrangeiras sempre dependem da homologação para produzir efeitos no Brasil. Ou seja, trata-se de uma interpretação vinculante sobre a lei, não de uma decisão que passa a valer apenas daqui em diante.
Texto: Salmom Lucas, com equipe jurídica