Decisão também inclui municípios do litoral norte capixaba nos programas de reparação e reafirma sentenças já emitidas sobre o AFE
Foi publicada no dia 15 de maio de 2024 uma decisão de grande relevância na vida das pessoas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão. Na decisão, o juiz federal Vinicius Cobucci determinou que o pagamento de lucros cessantes deve permanecer enquanto as condições ambientais e econômicas não forem restabelecidas. O chamado “lucro cessante” corresponde aos ganhos que os trabalhadores deixaram de obter pela interrupção de suas atividades econômicas.
A sentença traz outras dez deliberações importantes. Entre elas, a inclusão imediata dos atingidos do litoral norte do Espírito Santo nos programas de compensação e reparação dos danos, conforme Deliberação nº 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF), e a determinação para que a Fundação Renova cumpra as sentenças já emitidas sobre o AFE (Auxílio Financeiro Emergencial).
Confira todas as deliberações no final desta matéria.
Lucros Cessantes X Quitação Total
No seu despacho, o juiz discordou da tese da Fundação Renova e empresas sobre o termo de quitação assinado pelas pessoas atingidas no âmbito do Programa de Indenização Mediada (PIM) e do Novo Sistema Indenizatório Simplificado (Novel), no que diz respeito ao pagamento de lucros cessantes.
Isso porque o termo de quitação do Novel, por exemplo, define o pagamento de apenas 71 meses de lucros cessantes (de novembro de 2015 a outubro de 2021). No entendimento das empresas, os valores que os atingidos deixaram de ganhar com a interrupção de sua renda a partir de outubro de 2021 não seriam mais de responsabilidade da Renova.
O magistrado seguiu a argumentação do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública (DPU), e a Deliberação nº 111/2017 do CIF, de que o pagamento de lucros cessantes deve continuar sendo feito enquanto perdurarem os danos e efeitos do rompimento, pois as condições para retomada do trabalho dos pescadores e agricultores ainda não foram reestabelecidas.
“Trata-se de danos atuais, pois ocorrem no presente, isto é, o período compreendido entre outubro de 2021 até a presente data. Estes novos danos, entre eles, lucros cessantes, são ocasionados pela notória incapacidade da Renova de produzir ações reais, concretas e significantes para a efetiva retomada das condições econômicas e ambientais anteriores ao desastre. [...] Os rejeitos ainda se encontram no Rio Doce e produzem os mais variados efeitos, de forma negativa às comunidades afetadas. Não existe uma ação real e efetiva que afaste a produção destes efeitos.”
O juiz ressaltou ainda que, neste caso, a ideia de quitação total viola os direitos humanos e a consequente necessidade de uma reparação justa e integral.
“O posicionamento das sociedades e da Renova implica enriquecimento sem causa e violação à boa-fé objetiva, já que se beneficiam da própria torpeza. Além disso, sua admissão equivaleria a uma nova violação dos direitos fundamentais dos atingidos. Este entendimento viola a própria dignidade da pessoa humana da vítima, que se vê indenizada apenas em relação a um período, enquanto a causadora do dano é premiada por não reparar as consequências do dano e ter obtido uma indenização referente a um período delimitado com pretensão de que se estenda por toda eternidade.”
Medidas a Serem Adotadas pela Renova
Conforme as conclusões da decisão, foi determinado que a Fundação Renova:
Instaure o PIM nos territórios do litoral norte capixaba, abrangidos pela Deliberação n.º 58/2017 do CIF;
Pague os lucros cessantes anuais aos atingidos(as) incluídos(as) no PIM enquanto não forem retomadas de maneira segura as atividades produtivas impactadas;
Pague retroativamente as verbas do PIM para todos os(as) atingidos(as) prejudicados pelo cancelamento indevido, com incidência de juros e correção monetária, até a retomada das condições para a atividade econômica;
Efetue o pagamento de lucros cessantes anuais relativamente ao PIM, inclusive com a incidência de juros de mora e correção monetária, nos territórios abrangidos pela Deliberação n.º 58/2017 do CIF;
Efetue o pagamento da indenização pelo lucro cessante resultante da inviabilidade do exercício da pesca, independentemente de qualquer acordo firmado no âmbito do Novel, a partir de novembro de 2021;
Informe de forma sigilosa no processo a relação de pescadores e pescadoras que estavam cadastrados no PIM para recebimento de lucro cessante, mas que tiveram o direito cancelado em razão da adesão ao NOVEL e do respectivo termo de quitação; e daqueles que solicitaram adesão ao PIM até dezembro de 2021, visando o pagamento de lucro cessante, mas que tiveram sua elegibilidade ao programa negada devido à adesão ao NOVEL e respectivo termo de quitação;
Reinclua no PIM os pescadores e pescadoras que estavam devidamente cadastrados no PIM, mas que tiveram o direito ao pagamento de lucro cessante cancelado em razão da adesão ao NOVEL, para que possam receber os lucros cessantes até que ocorra a retomada segura da atividade de pesca;
Efetue o pagamento de parcelas retroativas de lucro cessante, a partir de novembro de 2021, com incidência de correção monetária e juros de mora, aos profissionais da pesca que estavam cadastrados no PIM e que tiveram o direito ao lucro cessante cancelado em razão de sua adesão ao NOVEL;
Faça a análise de elegibilidade ao PIM para recebimento de lucro cessante (retroativo e prospectivo), de todos os pescadores e pescadoras que solicitaram cadastramento ao PIM até dezembro de 2021, mas que tiveram seu pedido arquivado/indeferido em razão de sua adesão ao NOVEL;
Cumpra as decisões anteriores do AFE, no prazo de 90 (noventa) dias corridos, a contar da intimação da Renova.
Intimação da Fundação Renova
A decisão também aborda a forma de intimação da Fundação Renova, determinando que seja realizada pessoalmente aos seus agentes, com ênfase nos setores de compliance e direitos humanos. O objetivo é assegurar que as informações e obrigações sejam conhecidas diretamente pelos responsáveis técnicos, e não apenas pelos advogados, garantindo uma resposta ágil e direta às demandas judiciais.
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